Mar calmo não faz bom marinheiro
A vida é começar. Mas nesses tantos começos existe também uma infinidade de finais. Gosto de pensar nos fins e na incerteza que eles carregam. Nenhum começo vale sem a consulta do destino - ou vale e eu não entendo nada da vida. Também não sei se gosto desse texto que começo partindo dessa frase que pensei outro dia enquanto filosofava sobre o que é a vida com a voz do Abujamra ecoando em minha cabeça. Não gosto de muita coisa que começo e é incrível como gosto muito mais das coisas que termino. Escrevi que o fim é inevitável e apaguei por que me dei conta de que, as vezes, ele e evitável sim. Mas a evitação também é um ponto final, se olharmos direito. Dito isso retomo a frase sem medo: o fim é inevitável.
Ainda não sei se gosto desse texto e muitas vezes desgosto do que escrevo. É recorrente. Até que termino. O único texto que gosto é aquele que termino. É patético e concreto na mesma medida. O que me faz voltar a pergunta: o que é a vida? A vida é começar e terminar e começar e terminar e começar e terminar ate que termine efetivamente. Morrer um pouco por dia enquanto se vive a morte. A morte não me assusta mais, me assusta não viver a vida.
Outro dia eu me dei conta de que quase nunca ligava a luz da lavanderia quando entrava nela. Pensava com arrogância e imprudência que naquele lugar a luz era mero acessório. Conseguia enxergar o necessário só com o feixe que vinha da cozinha atravessando a porta. Roupas dentro e fora da máquina. Baldes cheios. Água e ração de gato. Um bocado de tarefa sem iluminação adequada. Veja bem, eu tinha luz, mas não era uma luz decente; era inapropriada.
Por muito tempo morei em um apartamento onde a luz da lavanderia estava estragada. Algum problema elétrico não resolvido e dele aconteceu o que acontece quando vivemos a vida sem terminar: nos acostumamos. Me ambientei com a luz estragada e quando mudei de apartamento segui com a repetição. No tempo em que notei o molde, passei a prestar atenção. Ainda assim, não me acostumei com a luz que funciona no novo apartamento. As coisas levam tempo.
E não dá para brigar com o tempo - apesar de gostarmos tanto. Talvez por ter lido Erico Veríssimo na adolescência sempre que penso no tempo e na sua passagem lembro logo do vento e de como ambos fazem quase o mesmo papel. Na natureza, o vento é responsável por circular os ares. Na vida, o tempo é encarregado por dar um ponto final às mudanças. O vento cria furacões e o tempo da um jeito de pará-los.
O que não dá, definitivamente, é deixar de entrar no mar por medo dos ventos e do tempo de viagem. A vida é começar, já disse. E começar normalmente é dar com a cara em uma imensidão de incertezas. Mar calmo não faz bom marinheiro por que mar calmo é mar conhecido e até lidar com os furacões fica fácil quando sabemos o ritmo das águas em que navegamos. Começar é acreditar na incerteza. Viver também.